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O artista plástico Laurimar Leal e seu auto retrato |
Assisti ao documentário Laurimar e Outras Lendas, de Bob Barbosa, Chico Caprario e Miguel Angelo. Fiquei muito bem impressionado com a condução do papo com o Laurimar e com a sensação de quanto podemos ser egoístas e injustos com aqueles que se doam a certas causas.
Laurimar Leal é uma trajetória completamente singular e incompreendida. Parece ser um incômodo necessário àqueles que tem de se responsabilizar pela cultura do município e uma peça de decoração histórica, tal qual aquelas que ele conhece de cor e zela por sua preservação no Museu João Fona.
Grande conhecer da Mina, da Umbanda, criou belíssimas esculturas para vários orixás e as conhece uma a uma, apesar de suas severas limitações visuais. Com sua voz ainda forte e afinada, lembra de memória os cânticos para cada cerimônia, e foi aquele que abriu as portas para a celebração das religiões africanas na cidade.
Cidade que se sempre reage de forma conservadora e refratária ao falar desses temas, como se seguir outras religiões não fosse assegurado a todo cidadão como um direito. Mas Laurimar é mais que isso. Seu conhecimento e capacidade de sair de um tema para outro surpreende e encanta.
Frágil fisicamente, tem na cultura e na inteligência sua arma de resistência. Certamente muitos santarenos não sabem que várias esculturas das Praça São Sebastião ou o da Praça da Liberdade são de sua autoria. E com certeza não sabem que o Laurimar somente pedia o material para as autoridades locais e não era remunerado para realizar seus trabalhos que hoje marcam a cidade.
A história não é só para ser escrita depois que perdemos nossos símbolos, nossas referências. Santarém tem em Laurimar Leal uma entidade — para brincar com sua religiosidade — que precisa ser reconhecida agora, em vida e não depois, fazendo de sua trajetória um memorial para ser pouco visitado.
É preciso encarar a realidade de abandono que vive Laurimar. Os documentaristas que na verdade vinham fazer um trabalho sobre a Dona Dica Frazão, inviabilizado por questões de saúde dela, encontraram em Laurimar um personagem vivo, sobre os quais a gente só conhece a história quando mortos. E eles deram essa contribuição. Mostram a quem quiser que Laurimar está largado, abandonado numa casa sem condições mínimas de habitação, ainda mais para uma pessoa na sua idade e com suas dificuldades.
Não adianta dizer que ele tem um emprego no museu e que assim a cidade – prefiro dizer cidade para incluir as pessoas, a sociedade e não só responsabilizar a prefeitura – mostra o quanto gosta dele. É preciso mais, é preciso ser generoso com quem tanto de sua vida dedicou à arte e à cidade, à formação de outros artistas, como o Apolinário e tantos que aprenderam com ele.
É preciso participar com solidariedade do enfrentamento dessa situação. O que seria para algumas famílias que hoje contam com recursos para investir em obras de duvidoso valor artístico, apoiar a reforma e adaptação da casa do Laurimar?
Arquitetos e grandes empresas de materiais de construção prósperas nós temos, agora temos é que assumir uma visão renovada de responsabilidade social. E mais que dizer que a alguém é culpado, que o sistema previdenciário é ruim ou alguma outra desculpa, é preciso assumir o problema.
Santarenos que todos os dias tem o gosto de ver a arte de Laurimar Leal nas ruas, nas repartições públicas e em algumas casas podem, se quiserem, fazer as pazes com a cultura e dar condições de vida mais dignas para nossa principal referência no campo das artes plásticas.
Texto: Paulo Lima - professor universitário, e santareno “naturalizado”.
Foto: Emir Bemerguy