Ser romântico no início raramente é um problema. O problema é
ser romântico no fim – recusar-se a perceber que as coisas acabaram, persistir,
contrariar a realidade, a inteligência e os próprios sentimentos. Não interessa
se é uma semana, um mês ou se são 10 anos depois do primeiro beijo. Quando as
coisas terminam, deveríamos ser capazes de perceber e aceitar. Raramente é o
caso. Recusamos-nos, coletivamente, a reconhecer o prazo de validade de
sentimentos e relações. Queremos que durem para sempre.
Há um paradoxo aí. Aquilo a que nos apegamos no final nada
tem a ver com a beleza do que sentíamos no início. O encantamento pelo outro
sumiu. O desejo tomou um ônibus e foi morar em Barra do Piraí. A paciência, o
carinho, o prazer de estar perto do outro quase desapareceram. Os planos estão
cada vez mais turvos, enquanto as conversas se tornam cada vez mais ásperas.
Ainda assim, nos agarramos. A quê? Provavelmente ao pavor da solidão e a suas
implicações sociais, que não são pequenas.
Nessas horas, sinto que nos falta coragem e memória. Coragem
para saltar no escuro insondável do futuro. Memória para lembrar que já fizemos
isso antes, dezenas de vezes, com enorme sucesso, desde que éramos bebês e
começamos a nos aventurar longe do colo da mãe. O mundo sempre foi uma
sequência misteriosa de deslumbramentos e decepções que se renovam. É preciso
acreditar e caminhar. De certa forma, há que ser romântico também no fim.
Quando tudo em volta parece ter virado plástico, é preciso sonhar, sair e
recomeçar.
Uma das coisas que acontecem quando perdemos contato com o
amor é secretamente deixarmos de acreditar nele. Afundados na rotina insípida
da sobrevivência emocional, ou mergulhados na solidão brutalizante, passamos a
dizer a nós mesmos que aqueles sentimentos de exaltação e esperança que
chamamos de amor não existem. A lembrança da existência deles é tão dolorosa
que preferimos negá-la. Tratamos o assunto como ilusão, imaturidade, pieguice.
Nos esquecemos, espantosamente, que um mês antes, um ano antes, dez anos antes,
nos sentíamos apaixonados – e não pela primeira vez. Perdemos a memória de um
sentimento que deveríamos cultivar com carinho. Ela nos permitiria comparar.
Também poderia nos guiar quando fosse a hora de procurar de novo.
Como saber que essa hora chegou? Cada um tem seu jeito de
perceber.
Há quem use o termômetro do desejo: acabou, já era. Mas o
desejo pode ser vítima de um zilhão de circunstâncias alheias ao
relacionamento. Às vezes, basta um fim de semana tranquilo para renová-lo. Como
saber? Outros usam o carinho, tão essencial no dia a dia de quem vive próximo.
Mas ele está sujeito aos diferentes temperamentos e humores de nossa vida
profissional e familiar. Há que levar em conta essas circunstâncias. Muitos se
fiam na queda nos padrões de paciência e no outro lado da moeda, a irritação com
o outro. É um bom teste, mas poucos casais que partilham a intimidade há muitos
anos resistiriam a ele. Rabugice passa a ser quase uma norma.
Não é fácil. Mais simples, acho, é captar o conjunto da obra
e os sinais emocionais que ela nos manda.
Quando o olhar do outro não nos comove mais, quando seu corpo
não nos diz mais nada, quando ouvir não é mais um prazer, quando falar parece
um cansaço inútil, quando a beleza que se via antes não se acha, quando a
personalidade vira resmungo, quando chegar em casa parece um saco, quando sair
para encontrar torna-se um fardo, quando já não se ri, já não se enternece, já
não se tem vontade de chorar na despedida, parado na esquina, abraçados – bem,
então talvez tenha chegado a hora de acabar e começar de novo. Cheio de dor,
cheio de esperança, cheio de medo e excitação pelo futuro que há de vir.
Ivana Martins
É muito bom o romantismo...sem exagero na nossa relação!
ResponderExcluirbj amigo