segunda-feira, novembro 28, 2016

O COTIDIANO NA UFOPA COM GREVE, OCUPAÇÕES E CALENDÁRIO ATÍPICO


A Decisão do Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensão sobre o Calendário Acadêmico da UFOPA foi madura porém exige compromissos de todos. É o preço cobrado pela luta, e pela democracia.

No início de seu segundo semestre letivo de 2016, já comprometido com as paralisações de 2015, a Ufopa se viu novamente diante de um quadro conjuntural nacional de lutas, desta vez contra a Emenda Constitucional que reduz gastos públicos primários e afeta investimentos em áreas fundamentais como educação e saúde pelos próximos 20 anos, e modificações no Ensino Médio sem discussões coletivas validadas pela sociedade. Quadro este que tem gerado manifestações, ocupações e greves no Brasil inteiro.

Em Santarém, mesmo que de forma parcial, a ocupação da unidade da Ufopa que abriga o maior volume de atividades administrativas e concentra vários cursos, desde o dia 3 de novembro, afetou drasticamente o cotidiano da universidade. Em seguida, no dia 15, a ocupação se expandiu para a unidade Rondon, que é simbólica por abrigar os cursos destinados a formação de professores, um dos segmentos mais temerosos com o futuro Pos emenda constitucional e pos reforma do ensino médio.
Como em outras universidades federais, a administração superior passou a fazer gestões buscando dialogar com os manifestantes e ao mesmo tempo conter atitudes irrefletidas dos que não concordam com estas formas de manifestação, e exigem o direito de ir e vir, e de terem as aulas quando os professores estejam dispostos a ministrar, mesmo que uma greve tenha sido deflagrada pela categoria por meio da entidade que os representa.

O diálogo mediado pela reitoria em colaboração com os dirigentes das unidades acadêmicas afetadas mostrou-se eficiente quanto a evitar enfrentamentos físicos e acirramento de ânimos entre os diferentes grupos, e em compreender que todos são membros de uma mesma instituição e merecem ser ouvidos, especialmente por terem pontos de convergência na causa geradora das manifestações, discordando porém nos métodos de luta quando estes atingem também as vítimas do problema contra o qual todos desejam combater.

A continuidade das ocupações, somadas com a deflagração de greve inicialmente pelos servidores técnicos administrativos e em seguida pelos docentes, e ao fato da maioria dos estudantes terem se posicionado pela não suspensão do calendário acadêmico Institicional, levou o assunto para ser apreciado pelo Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão, órgão máximo deliberativo sobre esta matéria.

O Conselho é constituído por membros da administração superior, pelos dirigentes das unidades acadêmicas e pelas representações de todos segmentos que constituem a comunidade universitária. Após apreciar exaustivamente a situação, em reunião que se prolongou por dois dias, o Consepe, por maioria, decidiu não cancelar e não suspender o Calendário acadêmico de 2016, apenas reconhecendo sua atipicidade.

O resultado ao qual chegou o Consepe expressa um amadurecimento da democracia, com todas as limitações que ela comporta, mas também com todas as suas virtudes. O principal, a meu ver, foi o máximo respeito às diferenças, e a busca de entendimentos para que os prejuízos não recaiam apenas sobre uns, ou em maior intensidade aos que se colocam na vanguarda da luta contra o que é tido por opressão e injustiça.

Podemos discordar da análise que fazem, dos métodos que utilizam, mas dificilmente teremos argumentos sólidos para contestar que há desigualdades e que elas só são combatidas com posicionamentos firmes que incomodam aos que a produzem e as mantém.

O problema é que temos dificuldade em lidar com essas situações quando elas batem à nossa porta. Nesse momento aparecem os que creem ser possível resolver o impasse com uma proposta iluminada, definitiva e inconteste.

Só que essa proposta não existe, ou não resiste quando submetida ao processo democrático. É até possível uma solução que agrade a um grupo, seja qual for, e que sob a sua ótica seja a melhor, desde que impondo aos demais. Mas neste caso, não seria democrático.O que se obteve no Consepe foi uma Resolução amadurecida, com maximização de empenho para que houvesse respeito a todas as posições, reconhecendo-se que nenhuma é portadora de uma verdade incontestável.

Manter o calendário inalterado seria impossível, uma vez que já tem pelo menos três em andamento.
Não reconhecer que estudantes votaram em maioria pela não suspensão do calendário seria um profundo golpe contra a expressão livre que assumiram; Não permitir aos que deflagraram greve poder exercer esse direito seria desconsiderar tanto a legislação que ampara essa forma de luta quanto a história que nos mostra porque frequentemente temos que recorrer a ela; Suspender o calendário acadêmico traria implicações drásticas quanto a continuidade de pagamento de bolsas e auxílios, assim como a realização de atividades que fogem completamente a nossa margem de negociação, tais como finalizações de prazos para execução orçamentária ou prestação de contas, bem como estágios, bancas de qualificação e defesa, etc.

Por toda a complexidade que é o Calendário Académico de uma universidade, a decisão tomada na Ufopa não é exceção e muito menos em falta de sintonia com outras IFES que estão vivendo contexto similar. Declarar atípico o Calendário é reconhecer suas peculiaridades, é reconhecer direitos, inclusive dos que assumem as diversas formas de luta, e também pactuar um entendimento prévio a ser realizado quando cessar a causa motivadora da atipicidade.

Na prática, a atipicidade garante que as aulas desse semestre sejam mantidas em situações em que estudantes e professor assim desejem; garante ao grevista não ministrar aulas; garante ao ocupante realizar suas manifestações mas sem impedir que as aulas aconteçam por livre opção de professores e estudantes. Mas também deixa claro que esse conjunto de direitos assegurados implica em obrigações, em compromissos, em ônus para todos, em algum momento e de alguma forma. O de maior impacto é, sem dúvida, o processo de ajuste no Calendário de maneira que volte a ter regularidade e uniformidade nas datas de início e término, bem como na realização de importantes atividades institucionais. Isso pode ocorrer a curto, médio ou longo prazo. Mas terá que ocorrer. A atipicidade foi decidida considerando o calendário em curso. O Consepe quando deliberar sobre o próximo calendário letivo terá que debater novamente considerando as diferentes situações. Desta forma, muito provavelmente, quem não parou agora em algum momento vai precisar pelo menos desacelerar. E quem parou terá que apressar o passo, para que ambos voltem a caminhar conjuntamente.

Para isso foi constituído um Grupo de Trabalho no âmbito do Conselho, formado pela PROEN e Dirigentes das Unidades Acadêmicas, para mediar situações que exijam acompanhamento mais de perto pelas pessoas estarem com maior dificuldades em compreender a decisão.

Por fim, a solução pode ser mais próxima ou mais distante dos desejos individuais, mas é a mais representativa do esforço de entendimentos e da prática de democracia que conseguimos. Não é nada simples. Reconheço que é polêmica, que não agrada a todos. Mas penso que merece respeito. Dela poderá no futuro emergir algo superior.


Prof. Dr. Anselmo Alencar Colares

Vice Reitor da UFOPA